Os Vieses Epidemiológicos da Covid-19

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Por acordo internacional, os óbitos (de todas as doenças) são codificados de acordo com a sua causa subjacente. A causa subjacente da morte é definida como “a doença ou lesão que iniciou a cadeia de eventos mórbidos que conduziram directa ou indirectamente à morte ou as circunstâncias do acidente ou da violência que produziu a lesão fatal.” [1]

A causa subjacente de morte, portanto, “exclui informações relativas ao evento terminal da morte, causas contributivas e causas que intervêm entre as causas subjacentes e imediatas da morte“. [2]

Como salientado por Savage e colaboradores, [3] a contribuição total de uma determinada causa de morte pode não ser reflectida nos dados de mortalidade, tal como geralmente relatados. Isso pode aplicar-se, em maior medida, a algumas doenças do que noutras.

Ora, como foi referido por Graça Freitas, directora-geral da DGS, a classificação de morte por COVID-19 diz respeito somente ao “Evento Terminal”, subvertendo o princípio exposto anteriormente. Ou seja, segundo Graça Freitas, a pessoa pode entrar no hospital com um Cancro Terminal e ser classificada morte por COVID-19. [5] Como perceber se o “Evento Terminal” foi a COVID-19? Testando positivo num teste que é também ele bastante enviesado. [6][7]

Países e regiões variam muito na qualidade dos dados fornecidos nas suas certidões de óbito. Estudos de validade das certidões de óbito que comparam os registos das autópsias nos hospitais, geralmente encontram maior validade para certas doenças, tais como os cancros, do que para outras.

International Classification of Diseases (ICD)

Os óbitos são codificados de acordo com o International Classification of Diseases (ICD), que vai na sua 11ª revisão. [4]

Segundo código do ICD para a COVID-19 (U07.1), o certificado de óbito para um paciente falecido será COVID-19, assumindo que foi essa a causa ou que contribuiu para a morte. Ou seja, se testar positivo. [8][9]

Ainda há um segundo código (U07.2) que refere a determinação da morte por COVID-19, ainda que a pessoa não tenha sido testada, bastando para isso, que o clínico assuma que a pessoa estivesse infectada pelo vírus. Ou seja, a decisão aqui ganha contornos completamente subjectivos. [8][9]

Definição de Viés em Epidemiologia

Qualquer desvio na coleta, análise, interpretação, publicação ou revisão de dados que pode levar a conclusões que são sistematicamente diferentes das verdadeiras. (Last, 2001) [13]

Um processo em qualquer momento da inferência que produz resultados que se desviam sistematicamente dos valores. (Fletcher et al, 1988) [14]

Erro sistemático no planeamento ou na condução de um estudo. (Szklo et al, 2000) [15]

Há vários tipos de Vieses, como os de Informação, Seleção, do Observador, etc. (Hennekens & Buring, 1987) [16]

Vieses na Mortalidade e Incidência

Uma das principais preocupações da Epidemiologia é controlar os possíveis vieses dos seus estudos, porque estes podem distorcer largamente os resultados obtidos. Alterações observadas na incidência de determinada doença podem ser consequência de alguma revisão nos critérios do seu código no ICD.

Em 1949, as taxas de mortalidade por diabetes tiveram um declínio dramático tanto em homens como em mulheres (Gráfico 1), imediatamente após ter sido lançada a 8ª revisão do ICD. Antes de 1949, a política era a de que qualquer certificado de óbito que incluísse qualquer menção a diabetes fosse codificada como “Morte por Diabetes”. Depois de 1949, apenas quando a causa subjacente de morte fosse as Diabetes é que esta seria a causa de morte atribuída. Portanto, a abrupta descida apresentada no Gráfico 1 deveu-se a um artefacto produzido pela alteração dos critérios do ICD. [10]

No início de 1993, foi introduzida uma nova definição da Síndrome da Imunodeficiência (SIDA). Como apresentado no Gráfico 2, esta alteração resultou num rápido aumento do número de casos notificados. [11]

A Prática da Epidemiologia

O pensamento em Epidemiologia tem sempre de ser o escrutínio de qualquer tendência emergente em Saúde Pública: será real ou estará a ser causada por algum viés?

Obviamente que não foi isso que se passou ao nível da COVID-19, onde a pressão para a conformidade com a narrativa oficial impediu qualquer tipo de contraditório.

O ambiente gerado em torno desta situação é hostil ao desenvolvimento da Ciência (sobretudo Epidemiologia) que se deseja ser neutra e imparcial, condição sina qua non para que se minimize os potenciais vieses. Muito pelo contrário, as condições criadas foram propícias à maximização dos vieses.

Os Desafios do Diagnóstico da Pneumonia

Imaginemos um cenário muito comum tanto ao nível daquilo que sempre foram as Pneumonias, como naquilo que actualmente se considera ser a COVID-19:

Uma pessoa tem uma doença febril (diagnosticada em testes laboratoriais como Gripe ou COVID-19, dependendo de ter sido pré ou pós 2020), desenvolvendo tosse e falta de ar, o que vem a descobrir-se ser o resultado de uma Pneumonia, seguida por uma Trombose Venosa Profunda (um coágulo de sangue nas veias). Os médicos suspeitam que ocorreu uma Embolia Pulmonar (um coágulo de sangue nos pulmões), mas antes de tal poder ser confirmado por testes, o paciente desmaia e morre inesperadamente. Assumindo que não há post-mortem porque a família recusa (ou porque em relação à COVID-19 nunca se faz, curiosamente), o diagnóstico teria de ser extraído de um conjunto complexo de registos, tradicionalmente escritos à mão, embora cada vez mais datilografados e mantidos electronicamente. Que diagnósticos irão para a certidão de óbito (e, em última análise, para a base de dados de investigação) e em que ordem?

Nos tempos actuais, já sabemos a resposta: é COVID-19.

Mas noutros tempos, seria uma questão complexa.

Imagine que é um epidemiologista que recebe 600.000 certificados de óbito de todas as causas de morte e que deseja estudar a incidência de mortalidade por Embolia Pulmonar (Código I26 no ICD). A tarefa de extrair uma lista de casos de morte devido a Embolia Pulmonar não é trivial.

Algo que facilita tanto a escolha de diagnósticos como o tratamento de dados é a lista de códigos para as doenças fornecidos pelo ICD. Mas como já verificamos, no caso da COVID-19, não só não facilita, como provavelmente acrescenta vieses na interpretração.

É difícil distinguir as diferentes formas de Pneumonia a nível clínico, porque há um amplo espectro de apresentação. Alguns pacientes apresentam sintomatologia mínima, e outros uma grande variedade de sinais e sintomas. É provável que a maioria dos pacientes seja tratada na comunidade (como uma doença tipo Gripe) em vez de ser internados no hospital. Há um grande desafio em encomendar os testes laboratoriais necessários. Os testes são também muitas vezes difíceis de interpretar, especialmente porque a cultura do microorganismo só é bem sucedida numa minoria de casos, ou porque não têm uma elevada Especificidade. [12]


Conclusão

Este Post faz uma introdução à complexidade da tarefa de atribuição de causalidade de morte. A causalidade é, de resto, um dos temas principais da Epidemiologia.

No entanto, ao olhar leigo, a informação chega cozinhada de forma a parecer simples. Os números de casos e mortes por COVID-19 surgem nos ecrãs como verdades inquestionáveis, números esses que são utilizados como armas de arremesso por parte daqueles que geram e difundem o alarme.

Mas que vieses estarão por detrás desses números?

Conforme exposto superficialmente neste Post, e noutros que tenho vindo a publicar, foram criadas condições apropriadas para a geração de vieses que poderão estar a distorcer largamente a percepção que a população tem acerca da realidade sanitária actual.

Fontes:

[1] National Center for Health Statistics (NCHS). Instructions for Classifying the Underlying Cause of Death. Hyattsville, MD: NCHS; 1983.

[2] Chamblee RF, Evans MC. TRANSAX: The NCHS System for Producing Multiple Cause-of-Death Statistics, 1968–1978. Vital and Health Statistics, Series 1, No. 20, DHHS Publication No. (PHS) 86–1322. Washington, DC: Bureau of Vital and Health Statistics; June, 1986.

[3] Savage G, Rohde FC, Grant B, et al. Liver Cirrhosis Mortality in the United States, 1970–90: Surveillance Report No. 29. Bethesda, MD: Department of Health and Human Services; December
1993.

[4] https://icd.who.int/en

[5] https://bit.ly/368APUU

[6] https://bit.ly/2XeyJOg

[7] http://bit.ly/3rVK4kv

[8] https://bit.ly/3pe6dJf

[9] https://bit.ly/3a0XH9P

[10] US Public Health Service Publication No. 1000, Series 3, No. 1. Washington, DC: US Government Printing Office; 1964.

[11] https://bit.ly/3aTB88w

[12] https://bit.ly/3aTfa5v

[13] https://bit.ly/3aWx3R0

[14] https://bit.ly/3vEV0UV

[15] https://bit.ly/3nCzSeY

[16] https://bit.ly/3eGpTRQ


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